Não foi essa criança que minha mãe criou, mas foi isso o que me tornei. Minhas mãos tremem, e o ar gélido me relembra dos erros que cometi. Teus gritos ainda ecoam na minha mente, a maneira como você me olhou, o desgosto transbordando em seu rosto através das lágrimas pesadas ainda me assombram. As químicas em minha cabeça não bastaram para controlar meus pesadelos. Você ainda continua presente em todos eles, à noite sempre me visitando com aquele sorriso cínico, como se soubesse que tudo se encerraria dessa maneira.
Eu ainda me pergunto onde você foi. Me pergunto se está frio lá dentro, no escuro e na podridão da terra. Eles sofreram quando viram o que eu fiz com você?
É difícil me concentrar agora. Perambulo pelas ruas durante a noite, a fim de permanecer sendo apenas um nome na lista de procurados. Minhas mãos continuam a tremer como naquele dia fatídico. Sinto o calor do teu sangue se revirar em um frio característico, a vida escapando do teu corpo como uma alma a deixar o mundo. Eu cometi erros e admito, e admito a você que não era minha intenção. Encontrei o amor nas suas mãos, e meu lar em seu corpo. Encontrei segurança nos seus olhos e carinho nas suas palavras. E por esse motivo, era inadmissível que esse sonho acabasse.
Eu sinto muito, devo dizer. Mas não posso continuar mentindo, porque é tarde demais para me desculpar. As sirenes ressoam dentro dos meus ossos. Os gritos tocam e retocam na minha cabeça, apagando o efeito dos químicos que tenho tomado todas as noites para te esquecer. Não posso continuar me preocupando, mas isso se repassa na minha mente e não importa o que faço, você continua voltando. Em minhas veias corre o risco de a navalha trabalhar, pintando com sua ardência teu sorriso que ainda está queimando em minhas retinas.
As lágrimas que escorreram dos teus olhos estão a cair dos meus enquanto eu olho para baixo. A ponte era o suficiente para terminarmos o que um dia começamos, e continuamos e continuamos até que a bomba decidiu explodir. Eu gostaria de te culpar por isso, mas eu sei que esse erro foi meu, assim como todos os outros. As sirenes continuam se aproximando e eu tenho medo do que vai acontecer se elas chegarem perto demais, e eu dou um passo para frente, mas ainda não é o suficiente. O vento me presenteia com seus sussurros, um chamado para o abismo que te envolve, as águas batem e rebatem nas pedras e pilastras abaixo de mim, abrindo os braços em um conforto convidativo para o fim.
Se eu te perguntar quando chegar lá, você vai me responder? Haverá perdão pelo que eu te fiz passar àquela noite, ou seremos apenas desconhecidos caminhando pelo limbo? Eu tenho feito tantas questões para mim mesmo, ponderando sobre o vermelho que pintou tuas roupas e manchou as minhas, sobre os gritos e pedidos que abafaram meus lamentos, esses mesmos que continuam me perseguindo desde então. As sirenes estão cada vez mais perto, e eu me curvo para frente, mas ainda não é perto o suficiente para darmos o último nó na nossa história. Eu sinto a ventania se tornando mais intensa, tentando me empurrar da última beirada que nos separa; mas você irá me encontrar quando eu me jogar?
Das minhas mãos ainda trêmulas escapam o frasco dos remédios que meu médico receitou. Cada pílula desaparece de minha visão embaçada, pequenos pontos brancos se dissolvem nas águas escuras e me perturbam. Minha garganta se abre depois de dias fechada, e as cordas vocais sentem-se sendo rasgadas conforme um grito aterrorizado se sobrepõem às sirenes. Ouço pneus rachando o asfalto assim que uma ambulância e viaturas param. Eles dizem alguma coisa, porém essas palavras são apenas ladainhas arremessadas no ar que me envolve, e mais um passo dou para frente, separando meus dedos do concreto que me acorrentava à vida. Não é seguro dentro da minha mente, eu devo admitir, mas você já sabia disso. E caímos em um encontro romântico nas águas escuras, o impacto me despedaça e o sangue se mistura nas sombras; e eu penso novamente, agora sozinho do outro lado, não foi essa criança que minha mãe criou, mas foi esse monstro que eu me tornei.
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