Casa é onde devo me sentir em meu lugar, mas não é exatamente meu lugar. Eu não me sinto correto em chamar aquelas pessoas de família, mas nossos sangues e sobrenomes nos interligam como linhas emaranhadas.
Casa é onde guardo lembranças boas, mas lá não vejo felicidade. É onde encontro partes de mim que eu evito expôr; é onde minha alma lamenta pela destruição de um sonho, de um futuro melhor, pois são apenas palavras jogadas ao vento, e mentiras que eu conto para mim mesmo até que se tornem verdade.
Casa é onde encontro conforto, mas não há sequer aceitação dos meus erros quando estou nesse posto. E cada palavra que eu uso para me defender, apenas se transforma em afronta e desrespeito ao ver deles, pois ainda não aprendi o que é realmente bom para eu para entender.
Casa é onde me livro dos monstros em minha cabeça, mas esses monstros têm vozes que conheço desde criança, e se repetem como um disco riscado. Argumentos são jogados como vasos, e os estilhaços me cortam em pedaços. É onde o sonho ruim termina, mas o verdadeiro pesadelo começa ao acordar – e sem vontade alguma, eu entendo que devo continuar para conseguir fugir desse maldito lugar.
Casa é onde tudo se constrói, mas tudo que vejo é como minha família se destrói.
Casa é o lugar onde eu moro, mas não é o lugar em que me encontro, muito menos o local que posso chamar de lar. Aquela casa está se desfazendo em ruínas, as pedras enormes estão se transformando em pedrinhas, e levanto uma estátua em seu lugar. E parte por parte, eu reencontro o passado. Eu lamento por aqueles que estão do outro lado, pois sei que eles lamentam comigo o quão doloroso e difícil é ver como tudo o que era prazer se virou contra nós. Eu sei que o passado grita, aterrorizado, ao ver que nada daquilo que fizemos valeu o esforço. Porque tudo estava predestinado a falhar, e porque tudo se tornou uma poeira sobre livros nas prateleiras, e cada página está amarelada agora. Aquelas fotografias parecem uma vida alternativa.
Crescer é difícil de entender. Crescer é ver como os sorrisos são rancorosos. Crescer é enxergar a malícia naqueles olhos. Crescer é agradecer por sempre ter dormido no final da festa quando era uma criança, porque era ali que realmente começava a matança. Crescer é meu maior arrependimento, mas suponho que não havia outra escolha senão entender que estava tudo terminado desde o começo.
Crescer naquela casa trouxe gosto de uísque para meus lábios, e com a queimação do álcool, eu engoli todo o passado. Crescer naquela casa me trouxe um cigarro, depois outro. Então me presenteou com um vício do qual não posso escapar.
Crescer naquela casa me trouxe aqui, e aqui eu sinto que estou no meu lugar.
Comentários
Postar um comentário