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A verdade borbulha em meu estômago

Meu estômago borbulha 'pra caralho às vezes, como se estivesse fervendo partes de mim, aquelas com as quais consigo lidar. Ele ferve, ferve o suficiente para fazê-las desaparecer. Então eu finjo que está tudo bem quando meu estômago borbulha, porque eles não precisam saber disso. Quero saber, é desnecessário, irrelevante, estúpido e até mesmo patético. Quem tem crise por ter olhado alguém nos olhos? Quem tem crise porque escutou, leu ou ouviu algo de errado? Quem tem crise porque não consegue falar? Isso é tão deprimente, que chega a fazer eu querer vomitar esses pedacinhos de mim. Talvez fosse melhor para todos se eles vissem quão horrendo é meu interior.

O espelho já dizia isso desde o começo. Ele me diz todas as manhãs a mesma coisa, e quando cruzo meu olhar com aquela silhueta apática, sinto que vou desmoronar — borbulhando no meu estômago até morrer, e eu derreto nas minhas tristezas, nos meus lamentos. E está tudo bem, porque ninguém precisa saber, mesmo que seja claro, explícito, prefiro morrer irreconhecível a exibir a falsa beleza que habita meu interior. É como se eu fosse um livro aberto, repleto de páginas em branco. É desinteressante, chato e insuportável. Então eu queimo essas páginas para que não possam encontrar as palavras miúdas, pois ninguém precisa saber — mesmo que todos saibam que ali havia palavras.

O que nos resta, então, é viajar entre conexões falsas. Inexistentes. Incoerentes. Por que estão ali, afinal?

As palavras ecoam indefinidamente, como uma memória a ser esquecida, mas ela está plantada ali; cravada na pele, para que jamais consigam fazê-la partir. Estamos presos um ao outro. Estamos presos às memórias, as conexões que nelas ressoam, se misturam, se completam. Então eu tremo, tremo e arranho as verdadeiras causas para aquelas gravuras das memórias, convencido de que elas nunca mais as farão novamente. Elas repetem, no entanto, esse ato de tempos em tempos, porque é a única coisa que eu sei fazer. Mas ninguém precisa saber. É mais confortável desse jeito. É melhor não haver sentido, não ter buscas para aprofundar no livro queimado. É melhor ignorar; é melhor esquecer; é melhor deixar de lado — é melhor abandonar.

É melhor abandonar, porque é mais fácil. É melhor ir embora. É melhor fingir que nunca quebramos uma promessa, nem duas ou três. É melhor esquecer que desenvolvemos confiança, melhor ignorar os segredos que compartilhamos, as inseguranças, os receios e os medos. É melhor esquecer o que estava escrito nas páginas. É melhor fingir que não conhece os pedaços derretidos. É melhor ignorar o que se tornou irreconhecível. 

Quando o inverno chegar, a caneta soltará tinta, e será lindo como sempre foi.

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